Coxas: Anterior e Posterior?
Não é raro, diria até mesmo comum, me
deparar em academias com pessoas, mulheres em sua larga maioria,
treinando pernas três, quatro vezes na semana. Normalmente a divisão do
treino se baseia em “anterior ou quadríceps” no primeiro dia e
“posterior ou ísquios-tibiais” no seguinte, com um dia de descanso entre
nova repetição destes – isso para quatro vezes na semana; para as que
treinam três vezes, já vi “anterior”, “bumbum” e “posterior” em dias
alternados ou até mesmo seguidos!
Não tenho por objetivo desqualificar o
trabalho de ninguém nem muito menos dizer que essa ou outra forma de
treino é incorreta, mas, baseando-se na ação cinesiológica e
biomecânica, na observação do que os maiores treinadores do mundo vêm
fazendo, na minha própria experiência de mais de duas décadas de
musculação e do que a literatura científica já cansou de comprovar, nada
mais justo que deixar claro alguns pontos negligenciados
nestas propostas de treinamento acima. Também não quero dizer que não
se obtenha resultados, mas, se existe um meio mais eficaz, seguro e
comprovado, por que não utilizá-lo? É pura perda de tempo não fazer isso
e cada vez temos menos tempo disponível para ir à academia.
Partindo do pressuposto que a prescrição do treinamento seja para uma pessoa de nível intermediário a avançado,
que consiga treinar com uma intensidade de moderada a alta (carga,
volume de treino, freqüência de treinamento…) e que o objetivo em
questão seja o de hipertrofia dos membros inferiores, analisemos o
seguinte:
- Ao realizarmos exercícios para os quadríceps ou anteriores de coxa, tais como leg presses e agachamentos, bem como as diversas variações destes (unilaterais, hack, avanços, livre, leg 30,45 ou 90 graus e outros), várias articulações estão envolvidas na dinâmica do movimento: o quadril, os joelhos e os tornozelos – as duas primeiras em especial. Assim sendo, todos os músculos responsáveis pela extensão do quadril e dos joelhos estarão sendo fortemente acionados durante a execução do exercício. No quadril, tanto glúteos quanto posteriores da coxa (em estímulo bem débil, é verdade, mas não deixa de haver participação dessa musculatura) atuam controlando a aproximação das coxas do tronco e afastando-as, ao mesmo tempo em que os quadríceps estendem os joelhos. Como a mecânica dos agachamentos e leg presses são semelhantes, é válido dizer que, analisando somente os músculos das pernas, estes são exercícios preferencialmente para quadríceps e glúteos, com uma participação discreta dos posteriores da coxa. Na verdade, o único exercício em que se consegue isolar o trabalho dos quadríceps seria a cadeira ou banco extensor, mas, dificilmente um treino avançado se resumiria somente a isso. Só para não esquecer, os músculos que se localizam na região interna das coxas ou adutores, também atuam vigorosamente durante a execução dos exercícios citados, estabilizando o quadril e impedindo que os joelhos se afastem á medida que as coxas aproximam-se do tronco.
- Os músculos posteriores da coxa ou ísquios-tibiais, como já vimos acima, além de atuarem na flexão dos joelhos, também atuam de forma discreta na extensão do quadril. Sendo assim, mesmo que nada se sinta nos ísquios no dia seguinte ao suposto treino de quadríceps, fica óbvio que essa região não estaria em sua perfeita condição de trabalho, visto que foi exigida no treino anterior. O fato é que existe o mito de que “se a musculatura não estiver dolorida, não houve aproveitamento do treino”, como se a hipertrofia dependesse tão somente das microlesões causadas pelas forças que atuam nos exercícios resistidos e não por outros fatores como os bioquímicos a nível intracelular, que também influenciam o processo hipertrófico. Pensando assim, se treina posteriores no dia depois do treino dos quadríceps, não havendo o aproveitamento total da capacidade de força da musculatura posterior das coxas, já que os ísquios não estão doloridos. Imagine deitar-se em uma mesa flexora com os quadríceps doloridos do treino anterior? Será que se consegue mesmo colocar a carga necessária ou se concentrar em outra coisa que não a dor causada pelo contato das coxas no estofado da máquina? Outro fato é que o exercício stiff realizado no dia dos posteriores, além de solicitar fortemente os ísquios, é um poderosíssimo exercício para os glúteos, que já foram suficientemente exigidos no dia anterior ao treino.
A comprovação baseada nisso é que não há
como desassociar o trabalho de glúteos de forma eficaz (!) do trabalho
em que haja exercícios multiarticulares como os agachamentos e leg presses, nem o trabalho dos quadríceps (multiarticulares) dos posteriores da coxa. .
A musculatura solicitada no dia anterior fatalmente será novamente
acionada no treino do dia seguinte, não permitindo o tempo de
recuperação necessário para que os processos de recuperação tecidual e
síntese protéica aconteçam. Quando pensar em treinar glúteos em um dia
diferente de coxas, atente à seguinte questão: nunca uma caneleira ou
mesmo uma suposta “máquina para glúteos” irá produzir estímulo
semelhante para essa região, tão pura e simplesmente pela carga
reduzida utilizada, ao contrário da que se consegue mobilizar ao
executar os movimentos compostos (agachamentos, …), gerando maior
frequência de recrutamento das fibras. Nunca se conseguirá trabalhar
acima da mediocridade pensando o contrário, negligenciando a biomecânica
e ação cinesiológica ou achando que “o avanço é um exercício para
glúteos e posterior”, executado no dia seguinte ao treino de quadríceps
em que eu, infelizmente, já fui testemunha. E não é o quadríceps que
sentimos “queimar” ao realizar o avanço ou passada? Muitas vezes vejo
professores prescrevendo essa divisão e nem mesmo eles se dão ao
trabalho de realizá-lo! Como assim? Os outros podem e eles não? Funciona
para mulheres, mas não funciona para homens? A anatomia muscular, salvo
em algumas regiões do corpo, é diferente? Simplesmente não se pode
negar fatos, estudos científicos comprovados, o sucesso obtido no
treinamento de atletas sérios, se apegando a “achismos” baseados em
opiniões isoladas e em crenças do tipo “do meu jeito funciona”. É assim
que as coisas acontecem, quer alguns gostem ou não. Ponto.
Se houver a necessidade de dividir a
rotina de treino das coxas em anterior e posterior, não analisando
prioridade e outras variáveis, sugiro que se faça de forma sensata,
coerente com tudo que foi explicitado acima e com o intervalo de tempo
necessário entre um treino e o seguinte para que os músculos exigidos em
um treino se recuperem plenamente e não interfiram negativamente no
próximo, muitas vezes limitando carga, número de repetições e por que
não dizer aumentando a suscetibilidade a lesões.
A literatura científica está disponível na net,
artigos e mais artigos se encontram amplamente divulgados e livros de
cinesiologia e biomecânica podem ser encontrados e baixados de graça
pela mesma rede. Basta tão somente o interesse pelo conhecimento e
entendimento.
Na pior das hipóteses, não custa
experimentar e tirar por si só as próprias conclusões. É experimentando
na pele que entendemos os conceitos e não ficamos presos às limitações
dos outros.
Romney Dantas
FONTE: http://www.romneypersonal.com.br/2010/coxas-anterior-e-posterior/
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